quinta-feira, 5 de março de 2015

Guerra ao Terror


Guerra ao Terror, um ano após ganhar o Oscar, já é visto a preço popular nas lojas de varejo. O filme já foi comentado aqui no blog, mas vale destacar a qualidade do retrato que Kathryn Bigelow fez dos soldados no Iraque.

 Não há uma trama específica, mas o filme tem cenas incríveis, e mereceu todos os seis Oscars que venceu (Melhor edição, Melhor Edição de Som, Melhor Som, Melhor Roteiro, Melhor Direção, Melhor Filme).


Em 2010 quando Guerra ao Terror ganhou o Oscar de Melhor Filme e Direção de meu favorito na época, a saber Avatar e James Cameron (ainda não havia assistido Bastardos Inglórios), fiquei revoltado. Faltou eu pular na TV e esganar a Academia de Artes Cinematográficas. Tanto é assim que sempre me recusei a assistir Guerra ao Terror. Tive várias oportunidades, pegava ele na mão na locadora, mas sempre deixava pra depois. Até que ano passado assisti a um dos melhores filmes já feitos, o melhor do ano passado na minha opinião, A Hora Mais Escura. Quando terminei o filme a minha reação foi: “Preciso com urgência assistir Guerra ao Terror!” Infelizmente como moro em uma cidade pequena e no interior de Minas Gerais, é difícil encontrar alguns filmes. Mas eis que sábado passado ao entrar na locadora dei de cara com Guerra ao Terror, e não tive dúvidas aluguei-o na hora. E o arrependimento bateu! “Como não assisti a esse filme antes”, me perguntava. O filme é simplesmente incrível de uma tensão do início ao fim que te prende na cadeira e faz ao mesmo tempo você querer que o filme acabe, mas querer que ele continue.

Guerra ao Terror, conta a história de um pelotão de desarmamento de bombas no Iraque. Após a morte de um soldado ao tentar desarmar as bombas, o Sargento William James ocupa o lugar do soldado morto, mas seus métodos nada ortodoxos incomodam seus companheiros, que unicamente desejam voltar para casa, e nada além disso. Isso fica claro quando o Especialista Owen Eldridge fala com seu parceiro Sargento JT Sanborn que falta apenas 38 dias para irem embora. A partir daí vemos o dia a dia desse esquadrão formado por esses três homens James, Eldridge e Sanborn desarmando bombas e em missões tensas em todo o Iraque. E sempre com James incomodando seus companheiros, em especial Sanborn, por seus métodos nada ortodoxos, pra se ter um ideia em uma das cenas James desarma uma bomba sem a roupa de proteção.


É uma pena que Guerra ao Terror sofra do mal de filmes como Operação França, que só é lembrado por ter ganhado o Oscar de Laranja Mecânica. No caso aqui muitos só lembram do filme por ele ter ganhado o Oscar de Bastardos Inglórios e Avatar. Concordo que Bastardos merecia o Oscar naquele ano, na verdade é ponto alto, o clímax da carreira de Quentin Tarantino, o melhor de todos os seus filmes já realizados. Já Avatar, é pura técnica, nada além disso. E lembrar de Guerra ao Terror só por isso é um grande absurdo. Guerra ao Terror, não é o melhor filme de guerra já feito, essa posição é de Apocalypse Now, isso porque nem é um filme de guerra propriamente dito. E talvez aí esteja o problema da maioria da pessoas. Guerra ao Terror, é sobre a vida dos desarmadores de bombas, é um verdadeiro estudo de personagens e como aquela vida tem efeito sobre cada um dos envolvidos.

Vemos no filme três personagens principais, por assim dizer. Sargento James é daqueles soldados que não sabem fazer outra coisa senão aquilo, é verdadeiro exemplo do soldado patriota americano, que está disposto a tudo para poder cumprir seu dever. Até mesmo cortar as relações humanas, com sua família e com outros, e quando ele começa a ter um relacionamento mais humano com alguém, ele logo em seguida se lembra porque não quer ter esse tipo de relacionamento, porque se tiver seu serviço não será bem feito, e se fecha pra isso. Pra ele seu dever é desarmar bombas e proteger quem está sobre seu comando. No Especialista Eldridge vemos o típico soldado que está ali porque talvez tenha se alistado no calor do momento, ele é apenas uma “criança” com medo, confusa e se sentido culpado devido a consequências trágicas de decisões suas. E no Sargento Sanborn vemos um soldado que só está ali pra cumprir suas ordens, e só quer voltar logo pra casa, se fosse por ele nem mesmo teria ido para o Iraque, teria ficado em casa com sua esposa. Ou seja Kathryn Bigelow construiu um estudo de personagem sobre os três tipos de soldados que foram para o Iraque: o patriota, o levado pela emoção e o que está lá só para cumprir com seu obrigação. E é nessa construção que Kathryn Bigelow consegue seu ponto forte do filme.


Assim como aconteceu injustamente com A Hora Mais Escura, que foi acusado de promover e defender a tortura (quem falou isso não assistiu o mesmo filme que eu), Guerra ao Terror é chamado por muitos como propaganda do exército americano, e volto a falar que quem falou isso não assistiu o mesmo filme que eu. O filme pode ser tudo mas menos essa propaganda. Afinal se fosse assim não teríamos uma cena em que um superior manda matar um iraquiano que está ferido e pode sobreviver. Ele simplesmente fala “Ele não aguentou”, ou algo desse tipo, o soldado fala “Mas senhor ele tá vivo e pode sobreviver”, o superior fala “Você não entendeu soldado?” e depois ouvimos um tiro ao fundo. Se isso é uma propaganda do exército me desculpe porque se for esse publicitário não sabe vender seu produto. O filme é um verdadeiro estudo de personagens, e joga pra você a situação cabe a você decidir quem está certo e quem está errado, de que lado você vai ficar.


A começar pelo Especialista Eldridge, logo no começo do filme vemos que ele foi, por assim dizer, o culpado da morte de seu companheiro, e ele se culpa por isso, ele não consegue lhe dar com isso. O medo que ele tem é tão grande que o trava em momentos difíceis, ele não sabe o que fazer, ele é apenas um garoto confuso, como no momento que eles vão atrás daqueles que armaram a bomba no caminhão ele vai com coragem ele quer ir, mas a partir do momento que ele é baleado na perna ele esquece de tudo e acha que o culpado é o Sargento James. Outra cena que mostra bem o quão imaturo e despreparado ele é quando o doutor Coronel Cambridge morre, ele viu o que aconteceu, mas não quer acreditar e fica desesperado. Como disse antes Ele é o típico soldado que foi para o Iraque na emoção e quando vê a realidade da Guerra não consegue lhe dar com ela, ele fica assustado e acaba agindo sem pensar.


No caso do Sargento Sanborn vemos que ele quer seguir as regras e tá lá única e exclusivamente por obrigação. Por ele, não estava ali, mas sim com sua esposa. Ele se culpa para morte do outro soldado, e faz com que tenha um ódio mortal pelo Sargento James, tanto que em um momento, ele fala de explodir uma bomba enquanto James vai buscar as luvas. Quando o homem explode na frente deles e quase morrem, ele percebe que ele não quer mais aquilo, ele quer é voltar pra casa e ter um filho. Só isso. Ele está ali simplesmente por obrigação.


Quanto ao Sargento James é interessante como ele se desligou de tudo, de todos as relações humanas. E por quê? Porque se ele as tiver não conseguirá trabalhar. Note a relação dele com o garoto iraquiano, ele começa a desenvolver uma relação de amizade com ele, mas quando vê um garoto, que pensa ser ele, morto com bombas dentro dele, ele se descontrola e faz coisas inimagináveis, como ameaçar o vendedor de DVD’s só pra poder tentar saber o que aconteceu com ele, nesse momento ele liga pra casa e nem sabe o que dizer. É interessante que antes ele havia falado que ele tá separado da esposa mas ela mora na mesma casa que ele. Quando vê o mesmo garoto vivo, ele se assusta, e não dá atenção porque sabe que qualquer afeto pode atrapalhar seu serviço, e é isso que ele fala com Sanborn no carro após a explosão do homem bomba, ele simplesmente não liga, não se importa com o que tem ao seu redor senão não consegue fazer bem o seu serviço, ele precisa se desligar dos ao seu redor.


E pra concluir, o desfecho do filme é simplesmente sensacional. Logo depois da conversa no carro. Vemos James no mercado, confesso que demorei um pouco pra entender onde ele estava. Agora em casa ele faz compras com esposa e filho. Mas ele simplesmente não sabe o que fazer, no momento que ele para na frente da prateleira de cereal e ele tá ali parado sem saber o que fazer e logo corta pra ele conversando ao fazer o jantar com a esposa empolgado sobre um evento ocorrido no Iraque a respeito de um ônibus bomba, nós vemos no que ele se tornou. Ele chega ao ponto de dizer ao filhinho enquanto brinca que ele ama apenas uma coisa, e volta para o Iraque. Naquele momento Kathryn Bigelow quis dizer apenas isso: A guerra é viciante, se você começar, não vai conseguir viver sem ela, então não comece, ou nada, nem seu filho, nem sua esposa, nem ninguém será importante pra você.


Guerra ao Terror é um filme tenso. Um filme sobre soldados em uma guerra, sobre a consequência delas neles e nas suas relações. Um filme corajoso e único, que merece ser visto e revisto. E nunca deve ser apenas lembrado porque tirou o Oscar de Bastardos Inglórios. Mas ser lembrado como mais que um simples filme de guerra, mas um filme corajoso, feito por uma mulher corajosa que no meio de uma indústria machista conseguiu seu espaço e entregou pra nós um dos melhores filmes de guerra da última década.


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